Investigada pelo MP, Custom embolsa R$ 1,5 milhão sem licitação em Itatiaia e ganha contrato com “edital clonado”

A prefeitura de Itatiaia pagou este mês R$ 180.956 à empresa de informática Custom na forma de termo de reconhecimento de dívida, um dispositivo utilizado na gestão pública para situações excepcionais, mas que parece ter sido usado desde o começo do ano passado pela prefeitura de Itatiaia para perpetuar a contratação da Custom. Com isso, a empresa ultrapassou R$ 1,5 milhão em recebimentos por serviços de gestão informatizada, desde o início do ano passado.

Para conferir o boletim oficial na íntegra, clique nesse link.

O valor do desse reconhecimento de dívida é o mesmo do que foi pago pela gestão do prefeito Irineu Coelho à Custom no final de agosto, quando a prefeitura de Itatiaia acumulou R$ 1.357.170 em pagamentos sem licitação à Custom.

Na ocasião, na cláusula segunda do termo 313/2024 de reconhecimento de dívida, a gestão de Irineu deixou claro que está ciente que o pagamento se refere a um serviço executado sem cobertura contratual, mas tentou responsabilizar a pessoa titular secretaria de Administração pelo pagamento, possivelmente já prevendo que a irregularidade deve ser alvo de questionamentos na esfera judicial.

A Custom vinha de um contrato de 2018 e deveria ter saído no início de 2023. Isso porque, embora a empresa tenha vencido o pregão eletrônico 027/2023, que daria continuidade à sua permanência, o certame foi suspenso por determinação do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, TCERJ, em meio a um susposto esquema de propina para favorecer a permanência da Custom, segundo denúncia formulada ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, MPRJ.

De Acordo com denúncia, o esquema começou em setembro de 2022, quando o então Secretário de Administração Tributária de Itatiaia (SMAT), Ernane Hélio Dias, supostamente foi travado ao dar entrar em um processo administrativo de contratação da empresa sucessora da Custom.

Ernane acabou exonerado após insistir com o processo licitatório. Na época, um representante da empresa Custom Sistemas (José Couto) foi visto circulando pelas dependências da Prefeitura de Itatiaia acompanhado de Vinícius Valiante, então Controlador Geral do Município. A denúncia acrescenta prossegue que Ernane teria descoberto o plano de favorecimento da Custom e ido cobrar satisfações aos outros três Secretários.

Além de prosseguir “na clandestinidade” desde a suspensão do pregão 027/2023, através do recebimento por meio de termos de reconhecimento de dívida, esse ano o governo do prefeito Irineu Coelho abriu outro processo licitatório, que resultou recentemente no contrato 145/2024, de R$ 1,68 milhão com a Custom. Segundo outra denúncia feita ao MPRJ, o pregão 028/2024, que resultou nessa contratação, teve o edital clonado do edital 027/2023, ou seja, com os mesmos vícios no edital que levaram o TCERJ a suspender o certame.

O suposto direcionamento do edital do pregão 028/2024, que resultou no contrato 145/2024, foi objeto de uma impugnação apresentada pela empresa de informática informática Opportunity. Segundo a Opportunity, cujos apontamentos foram rejeitados pela prefeitura de Itatiaia, “o edital em apreço, traz consigo variadas prestações de serviços aglutinando todos em um único objeto, que em resumo inclui: ‘variados sistemas de gestão pública municipal, serviço de data center (hospedagem), integração de sistemas, conversão de dados, implantação, treinamento dos usuários, suporte técnico, manutenção e customização para o poder executivo, legislativo e demais órgãos da administração municipal direta e indireta do município’”.

Esquema pode ter se repetido em Resende

No final de julho do ano passado, mais documentos vieram à tona apontando que a prefeitura de Itatiaia negou impugnações de irregularidades e direcionamento do certame “vencido pela Custom.” Em uma dessas impugnações, a empresa Tecnológica ressaltou direcionamento do edital através da aglutinação de diversos serviços distintos centrados em uma única empresa. Segundo a Tecnológica os sistemas poderiam ser contratados separadamente, de empresas distintas, o que iria ser mais barato para a prefeitura de Itatiaia.

A aglutinação de vários sistemas de informática distintos, porém concentrados numa única empresa, pode ter favorecido a Custom em Resende em 2022, em um contrato de R$ 4 milhões ao ano, montante que, se comparado aos preços praticados junto a outras prefeituras pelos mesmos serviços, chega a estar 10.000% mais salgado.

Pelo que consta no contrato 218/2022, o sistema de gestão da Custom envolve diversas secretarias e seus respectivos serviços, nas áreas adminitrativa, tributária e financeira, ao valor de R$ 4.041.320,00.

A aglutinação de serviços de diversas áreas em um único sistema pode fazer parte de um esquema que vem favorecendo a Custom nos últimos anos, segundo denúncias encaminhadas ao Ministério Público.

Os argumentos da Tecnológica em Itatiaia parecem também se ajustar ao contrato de R$ 4 milhões da Custom em Resende. Isso porque, caso a gestão de Balieiro optasse por segmentar a contratação dos sistemas automatizados por áreas, poderia obter os mesmos serviços por menos de R$ 40 mil.

Isso foi o que fizeram as cidades de Tucumã e Trairão, no Pará. No primeiro caso, Tucumã fechou um contrato de R$ 14 mil pela locação de um software de gestão de Recursos Humanos, que contempla folhas de pagamento e controle de pessoal.

Trairão foi na mesma direção e contratou por R$ 24 mil um software para a área de tributos do município, que contempla a emissão de notas fiscais eletrônicas.